terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CARTA ABERTA AO GRANDE ARTISTA ROBERTO CARLOS





CARTA ABERTA AO GRANDE ARTISTA ROBERTO CARLOS

Somos uma associação de famílias e assim como milhões de pessoas no Brasil e no mundo, somos seus fãs e temos muita admiração por seu talento e trabalho e profundo respeito pelo que representa a sua generosa pessoa, motivo de muito orgulho para todos nós brasileiros.
Permita-nos agora lhe prestar algumas informações, que certamente irão lhe chocar e, no final, gostaríamos de lhe fazer um pedido. Acompanhando sua programação em seu site oficial nos deparamos com o seguinte anúncio: “PROJETO EMOÇÕES EM ALTO MAR - UM MUNDO DE EMOÇÕES A BORDO DO MSC PREZIOSA”.  Trata-se de 5 shows que você fará a bordo deste navio na próxima semana entre os dias 4 e 8 de fevereiro (2015).
Gostaríamos que você soubesse que muitas jovens vidas se perderam a bordo de navios de cruzeiros e muitas outras estão marcadas para o resto de suas vidas. Há alguns anos estamos denunciando os gravíssimos crimes e violação de direitos humanos que ocorrem dentro dos navios de cruzeiros internacionais que operam no Brasil. As principais vítimas são jovens tripulantes de países asiáticos e latino-americanos, dentre estes, muitos jovens brasileiros.
Maus tratos e trabalhos análogos à escravidão, com jornada de trabalho exaustiva, assédio moral e sexual, discriminação racial e xenofobia, precárias condições de alojamento, alimentação e assistência médica, o que ocasiona enormes prejuízos à saúde física e mental, agredindo a dignidade e, em alguns casos, levando à morte. É o caso da jovem FABIANA PASQUARELLI, que morreu vítima de condições precárias de trabalho e assistência médica e de jornadas extremas no navio MSC Armonia em fevereiro de 2012, conforme laudo dos fiscais do Ministério do Trabalho. Até hoje a família espera por justiça e a MSC continua impune e submetendo milhares de jovens a situações degradantes de trabalho.
 Os jovens trabalhadores também estão sujeitos a diversos crimes que ocorrem com frequência dentro dos navios como a violência de gênero com casos de homicídio, a intensa atividade do narcotráfico e o grande consumo de entorpecentes e álcool por parte da tripulação e passageiros, desaparecimento de tripulante, entre outros, com o agravante de que as cenas dos crimes não têm sido preservadas pelos comandos dos navios e, dessa forma, dificultando e comprometendo as investigações por parte das autoridades.
Foi o caso da jovem CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA em janeiro de 2010 no interior do navio MSC Musica, onde foi brutalmente assassinada por outro tripulante. Ela tinha 28 anos e vinha sendo agredida, pediu várias vezes ajuda ao comando do navio, mas não foi atendida por absoluta negligência de quem deveria zelar pela proteção de seus funcionários. Com este mesmo descaso a MSC tratou e vem tratando a família. O assassino nunca foi preso e agora está foragido. Lamentavelmente, passados 5 anos, a justiça está longe de ser feita.
De desaparecimento, o caso mais emblemático é da jovem de 21 anos, LAÍS SANTIAGO, que desapareceu em águas italianas enquanto trabalhava no navio Costa Magica em junho de 2012. Todo o processo de investigação revela inúmeras irregularidades: as provas e vestígios não foram preservados pelo comando do navio, as gravações feitas pelas dezenas de câmeras não foram cedidas às autoridades e até hoje a família está sem qualquer resposta.
Nesses anos de muita dor, vítimas e familiares de situações traumáticas e trágicas ocorridas em navios de cruzeiros da MSC, Costa Crociere e outras armadoras que operam no Brasil foram se encontrando no longo percurso em busca por justiça. Juntos, fomos descobrindo que dentro destes navios existe um submundo que submete milhares de jovens trabalhadores, brasileiros e estrangeiros, às condições mais humilhantes e degradantes e em situação de extrema vulnerabilidade diante de vários crimes que lá ocorrem.  As companhias de cruzeiros certamente apresentam a você e a seus clientes “um mundo de emoções” e cheio de glamour. Mal sabe você e os futuros passageiros que esse submundo também os ameaçam.
Recentemente, formamos uma associação chamada Organização de Vítimas de Cruzeiros (OVC), promovemos e participamos de várias Audiências Públicas em diversos lugares do Brasil. Apresentamos às autoridades um farto material com provas, depoimentos, vídeos e inúmeras outras evidências comprovando as nossas denúncias de maus tratos e de diversos crimes que atentam contra a dignidade humana praticados pelo comando, oficiais e chefes de vários navios de cruzeiros.
Nossa associação é uma entidade civil sem fins lucrativos e que, conforme consta em nosso Estatuto Social, “tem por finalidade congregar pessoas, físicas e jurídicas, com o propósito de atuar de forma concreta e efetiva, independentemente, ou em colaboração com os órgãos públicos competentes, para a erradicação do trabalho aviltante à dignidade da pessoa humana e/ou análogo à condição de escravo, bem como do tráfico de pessoas que tenham por objetivo arregimentar trabalhadores para serviços sob tais condições em navios de cruzeiros, nacionais e/ou internacionais, bem como de defender os direitos humanos de seus associados vitimados por essa espécie de práticas em território nacional e estrangeiros.”
A partir de nossas denúncias, isso tudo acabou sendo comprovado pelas próprias autoridades federais durante ações de fiscalização ocorrida em diversas embarcações entre março e abril do ano passado, culminando no resgate de 11 tripulantes do navio MSC Magnifica no porto de Salvador, que estavam em condições de trabalho degradante análogo a de escravo e que foi notícia no Brasil e no mundo. Abaixo, com mais detalhes, reproduzimos parte de uma mensagem que enviamos às autoridades federais e sociedade civil após termos lido os relatórios da fiscalização, que nos deixaram estarrecidos.
Diante de tantas evidências apresentadas em mais de mil páginas dos fiscais federais, passamos a afirmar às próprias autoridades de que “já não tínhamos mais dúvidas de que estávamos diante uma atividade corporativa internacional, de alta lucratividade, às custas de Tráfico de Pessoas para fins de exploração laboral”.
Com todo respeito, gostaríamos de finalizar esta carta com um pedido. Seu site oficial anuncia que seus shows na próxima semana no navio já estão com os ingressos esgotados, mesmo assim lhe pedimos, por favor, que os cancele em respeito às vidas que se perderam e ao sofrimento de muitos jovens e seus familiares, porque sua arte não combina com maus tratos, trabalho escravo, assédio moral e sexual, racismo, etc. que ocorrem no submundo desses navios.
Muito obrigado por sua atenção.
Organização de Vítimas de Cruzeiros - OVC






TRECHOS DA CARTA ABERTA ENVIADA ÁS AUTORIDADES FEDERAIS E SOCIEDADE CIVIL EM OUTUBRO DE 2014

- “ trabalhadoras brasileiras no navio só servem pra sexo, são putas, e os trabalhadores homens não servem para trabalhar... são vagabundos...brasileiro reclama demais...”
- “ brasileira gosta de vida boa e se quiserem podem ter vida boa se ficarem com eles (os chefes)...”

Prezadas autoridades, imprensa, Igreja, sociedade civil, tripulantes e familiares,

Desculpem-nos pela chocante ofensividade das frases acima. Elas foram extraídas dos termos de declaração de tripulantes do navio de cruzeiros MSC Magnífica, resgatados pelas autoridades brasileiras em primeiro de abril deste ano no porto de Salvador, por estarem trabalhando em condições degradantes e análogas a de escravo. Tais frases foram atribuídas aos chefes desses trabalhadores. Trata-se de uma pequena amostra que revela a duríssima realidade do submundo dos navios que estamos denunciando há anos. Tal realidade não se limita à  MSC, pois ela pode ser encontrada facilmente também nas outras armadoras que operam no Brasil (Costa Crociere, Pullmantur, etc).
Assédio moral e sexual, racismo, homofobia, xenofobia, péssimas condições de alojamento e assistência médica, fraudes trabalhistas, trabalho até a exaustão e outros crimes repugnantes revelam condições severas, aviltantes e humilhantes à dignidade humana de milhares de jovens brasileiros e não brasileiros, principalmente asiáticos, que são o grande contingente de trabalhadores dentro do navio. O grande agravante é que os monstruosos tratamentos das chefias do navio são realizados em regime de confinamento, ou seja, esses jovens, entre um porto e outro, não tem para onde correr e nem quem recorrer, ficando portanto, numa condição de total vulnerabilidade.
Desaparecimentos “inexplicáveis”, como o caso de Laís Santiago do navio Costa Magica, agressões físicas por parte da segurança do navio contra tripulantes brasileiros, cárcere privado como ocorreu em navio da Pullmantur, intenso consumo de álcool e tráfico e droga, que é generalizado, são outros ingredientes do submundo ao qual estamos denunciando. Condições degradantes que, inexoravelmente, acabam afetando também os passageiros.
No próximo dia 23 deste mês de outubro, a partir das 9:00h,  ocorrerá na 37° Vara do Trabalho de Salvador (vejam despacho anexo da magistrada Priscila Cunha Lima de Menezes), audiência da Ação Civil Coletiva, cujo autor é o MPT em função da recusa da MSC (Ré) em pagar as verbas rescisórias e outras exigências trabalhistas básicas para os 11 tripulantes resgatados. Esperamos que a MSC Crociere seja punida exemplarmente e que os trabalhadores resgatados sejam devidamente indenizados por tudo aquilo que os submeteram a tanta exploração, humilhação e sofrimento.
Conforme os documentos “Relatório de Ação Fiscal – Embarcações Estrangeiras de Turismo”  e  “Relatório de Ação Fiscal MSC Crociere S.A” elaborados por diversos departamento de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), depois de exaustivas denúncias dos trabalhadores e da nossa associação de vítimas (OVC –Organização de Vítimas de Cruzeiros), houve operações de fiscalização entre março e abril deste ano (2014) em navios das armadoras que operam no Brasil: MSC, Costa, Pullmantur, Ibero e Royal. Além dos auditores-fiscais do MTE, participaram das operações procuradores do MPT, Anvisa, Marinha, MPF, Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União, Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência e a Polícia Federal.
Os relatórios dessas operações (incluindo a ação de resgate no MSC Magnífica) somam quase 1.500 páginas com relatos detalhados dos grandes absurdos do submundo existente dentro desses navios. Tivemos acesso ao material somente no final de setembro quando estivemos em Brasília reunidos com autoridades e revelam todo o tipo de irregularidades trabalhistas, fraude contratual, descumprimento das convenções internacionais marítimas e tratamentos que violam os direitos humanos mais básicos, colocando em grande risco a saúde física e mental dos tripulantes, podendo levar até a morte destes, como foi o caso da tripulante Fabiana Pasquarelli em 2012 no MSC Armonia. Não é à toa que todos os navios fiscalizados receberam dezenas de autos de infração por diversas irregularidades trabalhistas. Ao todo, foram mais de 40 autos lavrados.
As ações das autoridades só vêm a confirmar as diversas denúncias que estamos fazendo há mais de 4 anos, desde que a jovem tripulante Camilla Peixoto Bandeira foi assassinada em 2010 no navio MSC Musica, onde iniciamos a construção de nossa associação (OVC), conjuntamente com outros familiares de vítimas, e finalmente registrada neste ano de 2014.
Já não temos dúvidas de que estamos diante uma atividade corporativa internacional, de alta lucratividade, às custas de Tráfico de Pessoas para fins de exploração laboral. Além das evidências irrefutáveis de trabalho análogo a de escravo, as condições degradantes de trabalho e a forma enganosa e fraudulenta como milhares de jovens brasileiros e de outras nações pobres são atraídos e recrutados para uma atividade de extrema exploração, conforme o Protocolo de Palermo (2000), tudo isso caracteriza tráfico humano para fins de exploração de trabalho.
Como se inicia a temporada de cruzeiros 2014/2015, entendemos que faz-se necessário, com total urgência, ações enérgicas e preventivas de fiscalização junto às agenciadoras e armadoras, bem como medidas de proteção aos jovens tripulantes. Junto com isso, não menos importante, há as questões de legislação como, por exemplo, a imediata alteração da Resolução Normativa 71 CNIg, obrigando a contração pela CLT de todos os tripulantes brasileiros, bem como a ratificação imediata, por parte do governo brasileiro, da convenção internacional da OIT MLC 2006 (Maritime Labour Convention).
Ficamos a disposição para quaisquer esclarecimentos e, desde já, agradecemos


Organização de Vítimas de Cruzeiros

Nenhum comentário:

Postar um comentário