Somos uma associação de
famílias e assim como milhões de pessoas no Brasil e no mundo, somos seus fãs e
temos muita admiração por seu talento e trabalho e profundo respeito pelo que
representa a sua generosa pessoa, motivo de muito orgulho para todos nós
brasileiros.
Permita-nos agora lhe
prestar algumas informações, que certamente irão lhe chocar e, no final,
gostaríamos de lhe fazer um pedido. Acompanhando sua programação em seu site
oficial nos deparamos com o seguinte anúncio: “PROJETO EMOÇÕES EM ALTO MAR - UM MUNDO DE EMOÇÕES A BORDO DO MSC
PREZIOSA”. Trata-se de 5 shows que
você fará a bordo deste navio na próxima semana entre os dias 4 e 8 de
fevereiro (2015).
Gostaríamos que você
soubesse que muitas jovens vidas se perderam a bordo de navios de cruzeiros e
muitas outras estão marcadas para o resto de suas vidas. Há alguns anos estamos
denunciando os gravíssimos crimes e violação de direitos humanos que ocorrem
dentro dos navios de cruzeiros internacionais que operam no Brasil. As
principais vítimas são jovens tripulantes de países asiáticos e
latino-americanos, dentre estes, muitos jovens brasileiros.
Maus tratos e trabalhos
análogos à escravidão, com jornada de trabalho exaustiva, assédio moral e
sexual, discriminação racial e xenofobia, precárias condições de alojamento,
alimentação e assistência médica, o que ocasiona enormes prejuízos à saúde física
e mental, agredindo a dignidade e, em alguns casos, levando à morte. É o caso
da jovem FABIANA PASQUARELLI, que
morreu vítima de condições precárias de trabalho e assistência médica e de
jornadas extremas no navio MSC Armonia em
fevereiro de 2012, conforme laudo dos fiscais do Ministério do Trabalho. Até
hoje a família espera por justiça e a MSC continua impune e submetendo milhares
de jovens a situações degradantes de trabalho.
Os jovens trabalhadores também estão sujeitos a
diversos crimes que ocorrem com frequência dentro dos navios como a violência
de gênero com casos de homicídio, a intensa atividade do narcotráfico e o
grande consumo de entorpecentes e álcool por parte da tripulação e passageiros,
desaparecimento de tripulante, entre outros, com o agravante de que as cenas
dos crimes não têm sido preservadas pelos comandos dos navios e, dessa forma,
dificultando e comprometendo as investigações por parte das autoridades.
Foi o caso da jovem CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA em janeiro de
2010 no interior do navio MSC Musica,
onde foi brutalmente assassinada por outro tripulante. Ela tinha 28 anos e vinha
sendo agredida, pediu várias vezes ajuda ao comando do navio, mas não foi
atendida por absoluta negligência de quem deveria zelar pela proteção de seus
funcionários. Com este mesmo descaso a MSC
tratou e vem tratando a família. O assassino nunca foi preso e agora está
foragido. Lamentavelmente, passados 5 anos, a justiça está longe de ser feita.
De desaparecimento, o
caso mais emblemático é da jovem de 21 anos, LAÍS SANTIAGO, que desapareceu em águas italianas enquanto
trabalhava no navio Costa Magica em
junho de 2012. Todo o processo de
investigação revela inúmeras irregularidades: as provas e vestígios não foram
preservados pelo comando do navio, as gravações feitas pelas dezenas de câmeras
não foram cedidas às autoridades e até hoje a família está sem qualquer
resposta.
Nesses anos de muita
dor, vítimas e familiares de situações traumáticas e trágicas ocorridas em
navios de cruzeiros da MSC, Costa Crociere e outras armadoras que operam no
Brasil foram se encontrando no longo percurso em busca por justiça. Juntos,
fomos descobrindo que dentro destes navios existe um submundo que submete milhares de jovens trabalhadores, brasileiros e
estrangeiros, às condições mais humilhantes e degradantes e em situação de
extrema vulnerabilidade diante de vários crimes que lá ocorrem. As companhias de cruzeiros certamente apresentam
a você e a seus clientes “um mundo de emoções” e cheio de glamour. Mal sabe
você e os futuros passageiros que esse submundo também os ameaçam.
Recentemente, formamos
uma associação chamada Organização de
Vítimas de Cruzeiros (OVC), promovemos e participamos de várias Audiências
Públicas em diversos lugares do Brasil. Apresentamos às autoridades um farto
material com provas, depoimentos, vídeos e inúmeras
outras evidências comprovando as nossas denúncias de maus tratos e de diversos
crimes que atentam contra a dignidade humana praticados pelo comando, oficiais
e chefes de vários navios de cruzeiros.
Nossa associação é uma
entidade civil sem fins lucrativos e que, conforme consta em nosso Estatuto
Social, “tem por finalidade congregar pessoas, físicas e jurídicas, com o
propósito de atuar de forma concreta e efetiva, independentemente, ou em
colaboração com os órgãos públicos competentes, para a erradicação do trabalho
aviltante à dignidade da pessoa humana e/ou análogo à condição de escravo, bem
como do tráfico de pessoas que tenham por objetivo arregimentar trabalhadores
para serviços sob tais condições em navios de cruzeiros, nacionais e/ou
internacionais, bem como de defender os direitos humanos de seus associados
vitimados por essa espécie de práticas em território nacional e estrangeiros.”
A partir de nossas
denúncias, isso tudo acabou sendo comprovado pelas próprias autoridades
federais durante ações de fiscalização ocorrida em diversas embarcações entre
março e abril do ano passado, culminando no resgate de 11 tripulantes do navio MSC Magnifica no porto de Salvador, que
estavam em condições de trabalho degradante análogo a de escravo e que foi
notícia no Brasil e no mundo. Abaixo, com mais detalhes, reproduzimos parte de uma
mensagem que enviamos às autoridades federais e sociedade civil após termos lido
os relatórios da fiscalização, que nos deixaram estarrecidos.
Diante de tantas evidências
apresentadas em mais de mil páginas dos fiscais federais, passamos a afirmar às
próprias autoridades de que “já não tínhamos mais dúvidas de que estávamos
diante uma atividade corporativa internacional, de alta lucratividade, às
custas de Tráfico de Pessoas para fins de exploração laboral”.
Com todo respeito,
gostaríamos de finalizar esta carta com um pedido. Seu site oficial anuncia que
seus shows na próxima semana no navio já estão com os ingressos esgotados, mesmo assim lhe pedimos, por favor, que os
cancele em respeito às vidas que se perderam e ao sofrimento de muitos jovens e
seus familiares, porque sua arte não combina com maus tratos, trabalho escravo,
assédio moral e sexual, racismo, etc. que ocorrem no submundo desses navios.
Muito obrigado por sua
atenção.
Organização de Vítimas de Cruzeiros - OVC
TRECHOS
DA CARTA ABERTA ENVIADA ÁS AUTORIDADES FEDERAIS E SOCIEDADE CIVIL EM OUTUBRO DE
2014
- “ trabalhadoras brasileiras
no navio só servem pra sexo, são putas, e os trabalhadores homens não servem
para trabalhar... são vagabundos...brasileiro reclama demais...”
- “ brasileira gosta de vida
boa e se quiserem podem ter vida boa se ficarem com eles (os chefes)...”
Prezadas autoridades, imprensa, Igreja,
sociedade civil, tripulantes e familiares,
Desculpem-nos pela
chocante ofensividade das frases acima. Elas foram extraídas dos termos de
declaração de tripulantes do navio de cruzeiros MSC Magnífica,
resgatados pelas autoridades brasileiras em primeiro de abril deste ano no
porto de Salvador, por estarem trabalhando em condições degradantes e análogas
a de escravo. Tais frases foram atribuídas aos chefes desses trabalhadores. Trata-se
de uma pequena amostra que revela a duríssima realidade do submundo dos navios
que estamos denunciando há anos. Tal realidade não se limita à MSC, pois
ela pode ser encontrada facilmente também nas outras armadoras que operam no
Brasil (Costa Crociere, Pullmantur, etc).
Assédio moral e sexual,
racismo, homofobia, xenofobia, péssimas condições de alojamento e assistência
médica, fraudes trabalhistas, trabalho até a exaustão e outros crimes
repugnantes revelam condições severas, aviltantes e humilhantes à dignidade
humana de milhares de jovens brasileiros e não brasileiros, principalmente
asiáticos, que são o grande contingente de trabalhadores dentro do navio. O
grande agravante é que os monstruosos tratamentos das chefias do navio
são realizados em regime de confinamento, ou seja, esses jovens, entre
um porto e outro, não tem para onde correr e nem quem recorrer, ficando portanto, numa condição de total
vulnerabilidade.
Desaparecimentos
“inexplicáveis”, como o caso de Laís Santiago do navio Costa
Magica, agressões físicas por parte da segurança do navio contra
tripulantes brasileiros, cárcere privado como ocorreu em navio da Pullmantur,
intenso consumo de álcool e tráfico e droga, que é generalizado, são outros
ingredientes do submundo ao qual estamos denunciando. Condições degradantes
que, inexoravelmente, acabam afetando também os passageiros.
No próximo dia 23 deste mês de outubro,
a partir das 9:00h, ocorrerá na 37° Vara do Trabalho de Salvador
(vejam despacho anexo da magistrada Priscila Cunha Lima de Menezes), audiência
da Ação Civil Coletiva, cujo autor é o MPT em função da recusa da MSC
(Ré) em pagar as verbas rescisórias e outras exigências trabalhistas básicas
para os 11 tripulantes resgatados. Esperamos que a MSC Crociere seja punida
exemplarmente e que os trabalhadores resgatados sejam devidamente indenizados
por tudo aquilo que os submeteram a tanta exploração, humilhação e sofrimento.
Conforme os documentos “Relatório
de Ação Fiscal – Embarcações Estrangeiras de Turismo” e “Relatório
de Ação Fiscal MSC Crociere S.A” elaborados por diversos departamento de
fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), depois de exaustivas
denúncias dos trabalhadores e da nossa associação de vítimas (OVC –Organização
de Vítimas de Cruzeiros), houve operações de fiscalização entre março e abril
deste ano (2014) em navios das armadoras que operam no Brasil: MSC, Costa,
Pullmantur, Ibero e Royal. Além dos auditores-fiscais do MTE, participaram
das operações procuradores do MPT, Anvisa, Marinha, MPF, Advocacia-Geral da
União, Defensoria Pública da União, Secretaria dos Direitos Humanos da
Presidência e a Polícia Federal.
Os relatórios dessas
operações (incluindo a ação de resgate no MSC Magnífica) somam quase 1.500
páginas com relatos detalhados dos grandes absurdos do submundo
existente dentro desses navios. Tivemos acesso ao material somente no final
de setembro quando estivemos em Brasília reunidos com autoridades e revelam
todo o tipo de irregularidades trabalhistas, fraude contratual, descumprimento
das convenções internacionais marítimas e tratamentos que violam os direitos
humanos mais básicos, colocando em grande risco a saúde física e mental dos
tripulantes, podendo levar até a morte destes, como foi o caso da tripulante Fabiana
Pasquarelli em 2012 no MSC Armonia. Não é à toa que todos os
navios fiscalizados receberam dezenas de autos de infração por
diversas irregularidades trabalhistas. Ao todo, foram mais de 40
autos lavrados.
As ações das
autoridades só vêm a confirmar as diversas denúncias que estamos fazendo há
mais de 4 anos, desde que a jovem tripulante Camilla Peixoto Bandeira
foi assassinada em 2010 no navio MSC Musica, onde iniciamos a
construção de nossa associação (OVC), conjuntamente com outros
familiares de vítimas, e finalmente registrada neste ano de 2014.
Já não temos dúvidas de que estamos diante uma
atividade corporativa internacional, de alta lucratividade, às custas de Tráfico
de Pessoas para fins de exploração laboral. Além das evidências
irrefutáveis de trabalho análogo a de escravo, as condições degradantes de
trabalho e a forma enganosa e fraudulenta como milhares de jovens brasileiros e
de outras nações pobres são atraídos e recrutados para uma atividade de extrema
exploração, conforme o Protocolo de Palermo (2000), tudo isso
caracteriza tráfico humano para fins de exploração de trabalho.
Como se inicia a temporada de cruzeiros 2014/2015,
entendemos que faz-se necessário, com total urgência, ações enérgicas e
preventivas de fiscalização junto às agenciadoras e armadoras, bem como medidas
de proteção aos jovens tripulantes. Junto com isso, não menos importante,
há as questões de legislação como, por exemplo, a imediata alteração da Resolução
Normativa 71 CNIg, obrigando a contração pela CLT de todos os tripulantes
brasileiros, bem como a ratificação imediata, por parte do governo brasileiro,
da convenção internacional da OIT MLC 2006 (Maritime Labour Convention).
Ficamos a disposição para quaisquer esclarecimentos e,
desde já, agradecemos
Organização de Vítimas de Cruzeiros
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