quarta-feira, 28 de junho de 2017

ONDE ESTÁ SIMONE???










ORGANIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE CRUZEIROS – OVC

Brasil, 28 de junho de 2017




ONDE ESTÁ SIMONE ???

CARTA ABERTA ÀS AUTORIDADES BRASILEIRAS E ITALIANAS, À IMPRENSA NACIONAL E INTERNACIONAL E A TODA COMUNIDADE.

   Nós, da Organização de Vitimas de Cruzeiros (OVC), associação de familiares, gostaríamos de pedir, em caráter de extrema urgência, ajuda à tripulante brasileira SIMONE SCHEUER SOUSA. Desde a madrugada do dia 18 deste mês, conforme já veiculado em diversos órgãos da imprensa nacional e internacional, SIMONE desapareceu enquanto trabalhava a bordo do navio MSC MUSICA no Mar Adriático, entre as cidades italianas de Veneza e Brindisi.
   Nesse momento, de extremo sofrimento para familiares e amigos, conclamamos a toda a população brasileira a exigir de nossas autoridades o seguinte:
1 – Que o governo brasileiro providencie, com urgência, recursos garantindo a ida de familiares de Simone à Itália, para que os mesmo possam acompanhar as buscas e que tenham todo suporte necessário (jurídico, psicológico, etc.).
2 – Que o governo brasileiro, juntamente com o Ministério Público e Polícia Federal, utilize os acordos de cooperação com a Itália para exigir da armadora MSC o acesso a todas as provas e gravações das câmeras de monitoramento e que tudo seja disponibilizado à família da Simone.
   A família soube do desaparecimento de Simone a partir de informações dadas pelos colegas do navio, porque a MSC, assim como as outras armadoras, têm a prática desrespeitosa de não comunicar às famílias para casos tão graves, o que evidencia um tratamento deplorável e de absoluto descaso para com as pessoas.
   A partir de relatos de outros tripulantes de dentro do navio, a imprensa ainda divulgou que Simone teria tido um desentendimento com o chefe e também teria terminado um namoro com um colega de trabalho.
  Recentemente, foi divulgado no site de notícias G1 que na última terça-feira, dia 27, o Ministério Público italiano teria aberto um inquérito por homicídio doloso contra “pessoas não identificadas”, já que não haveria ainda suspeitos sobre o possível crime e que os policiais italianos teriam tido acesso às gravações das câmeras de segurança do navio.
  Com base em nossa experiência e conhecimento, por sermos familiares e ex-tripulantes, é importante que todos os cidadãos, sobretudo a família de SIMONE, tenham conhecimento do que passamos a relatar abaixo:
1 – Nessas gigantes e modernas embarcações de luxo, há centenas de câmeras espalhadas por todos os cantos, com sistemas de monitoramento 24 horas por dia. As autoridades brasileiras devem exigir o acesso a todas as gravações realizadas pelas câmeras. Talvez seja a única forma de saber o que aconteceu com Simone.
2 – Nos primeiros dias do desaparecimento de SIMONE, foi entrevistada por alguns veículos da imprensa uma empresária, Maria Clara Perrella, e a mesma se apresentou dizendo que intermediou a contratação de Simone junto à armadora MSC, e “que pelos registros oficiais do navio, ela não deixou a embarcação”, etc. Na verdade esta empresária é proprietária da agenciadora de mão de obra VALEMAR BRASIL. Se soma a outras agenciadoras brasileiras como a Infinity Brazil e Rosa dos Ventos. Tais agenciadoras fazem parte de um esquema que consideramos totalmente irregular de contratação e terceirização de mão de obra para trabalho em navios, onde os candidatos a tripulantes são obrigados a pagarem para essas empresas pelos treinamentos de preparação e exames médicos para admissão nos navios. Os tripulantes que ingressam no navio não têm carteira assinada, férias e outros direitos trabalhistas básicos. Não é a toa que todas as agenciadoras estão sofrendo inúmeros processos trabalhistas juntamente com as armadoras, por flagrantes violações de direitos. Em caso de tragédias, mortes em navios e desaparecimentos, como é o caso de Simone, as agenciadoras são as primeiras a “tirarem o corpo fora”, dizendo que a responsabilidade é do navio ou armadora, isso quando não dizem que a responsabilidade é do próprio tripulante.
3 – Alguns membros da tripulação denunciaram pelas redes sociais que SIMONE e outros tripulantes estavam sofrendo ameaças e retaliações de um chefe do navio, que teria sido denunciado por maus tratos. Entendemos que tais fatos devem ser imediatamente apurados pelas autoridades, pois maus tratos, assédio moral e sexual, agressões físicas, cárcere privado e todo o tipo de tratamento degradante é algo muito comum dentro dos navios. Em diversas audiências públicas, com a participação das mais altas autoridades federais, denunciamos esses fatos, o que foi plenamente comprovado posteriromente pelas próprias autoridades em ações de fiscalização.
4 - Lamentavelmente, em casos de passageiros e tripulantes que supostamente caem ao mar ou desaparecem, as grandes armadoras (MSC, COSTA, NORWEGIAN, etc.) resistem a ceder às autoridades acesso às gravações, pois não costumam agir com transparência, parecem ter algo a esconder. Elas se protegem atrás das lacunas das leis, que não as obrigam a ceder às gravações ou no máximo disponibilizam parcialmente e somente aquilo que as convém. O único país com legislação específica, a Cruise Vessel Security and Safety Act, são os EUA, lei aprovada no Congresso americano e sancionada em 2010 pelo então presidente Barack Obama. Foi resultado de uma longa e intensa luta de familiares da Associação de Vítimas de Cruzeiros (ICV - http://www.internationalcruisevictims.org/) daquela nação. Lá, as embarcações são obrigadas por lei a disponibilizar o acesso total às imagens, sempre quando solicitadas pelas autoridades, bem com é exigido o uso de dispositivos de segurança para evitar quedas ao mar. No entanto, nem mesmo lá isso tem sido respeitado pelas armadoras.
5 – Segundo uma das organizações mais especializados do mundo sobre navios de cruzeiros, a norte-americano Cruise Laws News (http://www.cruiselawnews.com/2017/06/articles/disappearances-1/brazilian-crew-member-missing-from-msc-musica/) , com base nas notícias veiculadas nos jornais italianos, pode-se deduzir que se passaram muitas horas antes do início efetivo das buscas pela SIMONE. O mesmo site afirma que “no início deste ano, uma pessoa caiu ao mar do MSC Divina. Havia falhas óbvias nos procedimentos de segurança do cruzeiro. O representante de relações públicas da MSC fez declarações enganosas e recusou-se a declarar fatos básicos, como quando o passageiro foi ao mar, ou quando a MSC percebeu, ou se atrasou para notificação da Guarda Costeira... ou se realizou algum tipo de busca. Nesse caso, uma revisão das informações do AIS (Automatic Identification System) pode revelar que o MSC Musica também não fez nenhuma manobra para procurar o membro da equipe na água”, no caso a SIMONE. “Parece que o Musica, assim como os outros navios de cruzeiros MSC não estão equipados com a mais recente tecnologia automática do homem ao mar para notificar imediatamente a torre de comando quando uma pessoa cai ao mar.” Ou seja, os navios das armadoras como a MSC, COSTA e NORWEGIAN, não estavam, e provavelmente ainda não estão equipados, com o sistema de segurança de detecção automática, que é ativado quando algum indivíduo ultrapassa limites da embarcação em direção ao mar. Tais sistemas de detecção poderiam evitar a morte de dezenas de passageiros e tripulantes que perderam suas vidas nos últimos 10 anos. As armadoras, portanto, têm negligenciado a segurança de seus passageiros e tripulantes.
6 – Há exatos 5 anos, em junho de 2012, a jovem tripulante de 21 anos, LAÍS SANTIAGO, desapareceu também misteriosamente a bordo do navio COSTA MAGICA em águas italianas na Sicília e a armadora apressadamente comunicou à imprensa que a jovem havia se suicidado ao lançar-se ao mar. Nesse caso, inúmeras irregularidades foram cometidas pela armadora: as provas e vestígios não foram preservados pelo comando do navio, a única gravação de câmeras cedida à família pela armadora italiana Costa Crociere, como prova ou justificativa de eventual suicídio da jovem, nas imagens não foi possível identificar se era uma pessoa ou um objeto que se lançou ou foi lançado ao mar, de acordo com a opinião de renomados peritos brasileiros. O seu corpo até hoje não foi encontrado. Também não descartamos que Laís esteja viva, vítima de tráfico humano.
7 – Mais recentemente, outro jovem brasileiro, JONAS FELLIPE DE MIRANDA SANTIAGO, em julho de 2015 no Estado do Alasca, EUA, a bordo do navio NORWEGIAN SUN, perdeu a sua vida. Seu corpo foi encontrado um dia depois por pescadores. Também neste caso, o comando do navio se apressou em dizer que Jonas havia se suicidado, mas sem apresentar provas, apenas a perícia no corpo de Jonas que continha muitas contradições em relação aos relatos de outros tripulantes. Até hoje as autoridades brasileiras e tampouco a família tiveram acesso às imagens do que ocorreu, apesar das inúmeras solicitações feitas à armadora Norwegian. Através da ajuda da OVC, a família conseguiu marcar audiência com MPT de SP, que passou a intermediar a negociação e acabou intimando a armadora a devolver à família, pelo menos, os pertences de Jonas que haviam ficado no navio. Essa negociação ainda está em curso.
8 – O Navio MSC MUSICA, onde desapareceu SIMONE, é o mesmo que em 2010, próximo a Santos, a jovem tripulante CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA foi brutalmente assassinada em sua cabine por outro tripulante. O assassino até hoje não foi preso pelas autoridades e é procurado pela Interpol em todo o mundo. Antes dessa tragédia, o comando do navio foi avisado das frequentes agressões que Camilla sofria, mas se omitiu. Depois do assassinato, se encarregou de divulgar na imprensa que Camila havia se suicidado, o que mais tarde foi desmentido pelas investigações da Polícia Federal. Desde então, os familiares lutam por justiça contra a MSC e suas agenciadoras. Foi nesta sofrida luta, que nasceu a nossa associação, a OVC.
9 – Muitos navios protagonizaram e ainda protagonizam crimes contra a dignidade humana com a violação dos direitos mais básicos. Levaram à morte em 2012 a jovem FABIANA PASQUARELLI, tripulante do navio MSC ARMONIA, devido as condições severas e degradantes de trabalho, conforme laudos dos próprios fiscais do Ministério do Trabalho. Também suspeitamos que a jovem THATILA SOARES, tripulante do navio COSTA FASCINOSA, morta em outubro de 2013, tenha sido vítima de condições similares, mas tudo indica que o caso tenha sido “abafado”.
10 - Em 2014, uma força tarefa de fiscais federais flagrou em navios de diversas armadoras, todo tipo de violação de direitos básicos, com dezenas de autos de infração. Nesta mesma operação, o navio MSC MAGNIFICA foi flagrado submetendo pessoas a trabalho análogo a de escravo resultando no resgate de 11 tripulantes em condições degradantes.  Lamentavelmente, sequer o capitão do navio, Giuseppe Maresca, foi detido, apesar do flagrante do grave crime federal. O mesmo capitão já havia sido denunciado por dezenas de tripulantes como um verdadeiro carrasco.  A MSC foi processada pelo MPT e condenada pela justiça do trabalho da Bahia, mas recorreu. Até agora, passados mais de 3 anos, os tripulantes resgatados não receberam um centavo de suas indenizações. 
            As autoridades federais brasileiras (MPF, MTE, MJ, MPT, PF, DPU, MRE, Senado, etc.) estão plenamente cientes da gravidade do problema, pois desde 2012 realizamos inúmeras audiências públicas, tanto no Senado Federal, como em várias Assembleias Legislativas em todo o Brasil, onde apresentamos fartas provas e evidências dos gravíssimos riscos de segurança e das degradantes condições de trabalhos por que passam tripulantes brasileiros e de outros países. As autoridades se demonstraram perplexas e indignadas com o que havíamos apresentado e, na ocasião, prometeram tomar providências.
            Em dezembro de 2012, na primeira audiência pública sobre o tema na CDH do Senado, apresentamos e disponibilizamos um anteprojeto detalhado para elaboração de uma futura lei, com base na Lei norte-americana. Em outubro de 2013, logo após Audiência Pública ocorrida na CDH do Senado sobre as irregularidades em navios de cruzeiros, o presidente da comissão, Senador Paulo Paim, apresentou 03 Projetos de Leis (PLS 418, 419 e 420), que abrangia desde o combate de crimes em navios até a aplicação da CLT aos tripulantes, que ainda lhes são negados esse direito.  Infelizmente, até hoje todos estes projetos, que poderiam estar salvando vidas e dando dignidade a milhares de jovens trabalhadores, estão esquecidos em alguma gaveta no parlamento, provavelmente atendendo aos interesses de lobistas pagos pelas armadoras.
            Para evitar que novas tragédias ocorram, reiteramos abaixo um conjunto de medidas necessárias para proteger tripulantes e passageiros:
1 - Aprovação de leis que regularizem a atividade dos navios de cruzeiros, com exigências de normas e tecnologia de segurança nas embarcações para passageiros e tripulantes, similar a lei norte-americana Cruise Vessel Security and Safety Act;
2 – Aprovação da PLS 419 de 2013, que regulariza atividade do tripulante pelo regime da CLT ou alteração imediata da Resolução Normativa de número 71 do CNIg com aplicação plena da CLT para todos os brasileiros e extensivo a todos os contratos, independentemente do tempo e lugar de trabalho;
3 - Ratificação imediata, por parte do governo brasileiro, da convenção internacional da OIT MLC (Maritime Labour Convention),  2006.
4 - Aplicação da Portaria Interministerial N. 2 de 12/05/2011, com inclusão na lista suja da MSC Crociere (trabalho análogo a de escravo);
5 - Pela imediata responsabilização das agenciadoras e armadoras pelas mortes de FABIANA PASQUARELLI, CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA, JONAS FILLIPE DE MIRANDA SANTIAGO e pelo desaparecimento de LAÍS SANTIAGO. Também é necessária a investigação da morte da jovem THATILA SOARES. Para casos de mortes e desaparecimento, a imediata liberação dos seguros de vida.
6 - Intensificação da fiscalização junto às agenciadoras e armadoras, aplicação de multas pesadas e até perda de licença de operação em caso de infração.
7 – Ações de INVESTIGAÇÃO (PF e MPF) para apurar todas as denúncias que foram e que estão sendo feitas (pelas vítimas e pelas próprias autoridades) em relação aos mais variados crimes e violações de direitos ocorridos dentro dos navios e também nas agências recrutadoras de mão-de-obra, que vêm tendo uma prática de aliciamento e fraudes.
8 – Ações de PROTEÇÃO e DIVULGAÇÃO aos tripulantes e passageiros: para tentar preservar a integridade das pessoas, entendemos que deve ser criado imediatamente algo similar a um disque denúncias (fone, página no facebook, sites, twitter, etc) nacional e internacional, para que os tripulantes e passageiros possam denunciar, pedir ajuda imediata em caso de risco, maus tratos, crimes. Uma cartilha dedicada aos tripulantes com obrigatoriedade de distribuição e divulgação dentro do navio e nas agências de recrutamento a ser também fiscalizados pelas autoridades. Da mesma forma, uma cartilha nas agências de viagens e no próprio interior do navio para os passageiros.
9 – A identificação e detenção de funcionários que ocupam cargo de chefias e oficiais dos navios, majoritariamente europeus, que estão sendo denunciados por vítimas e pelas próprias autoridades brasileiras por maus tratos, racismo e xenofobia contra tripulantes brasileiros. Ver relatos do próprio diagnóstico do MTE e de relatos de outras vítimas pelas redes sociais. É o caso do capitão da MSC, o italiano Giuseppe Maresca.

            Tais medidas, há anos estão propondo e debatendo com as autoridades, que até o momento preferiram ignorar o assunto, ao omitirem. E essa omissão também é responsável pela perda de muitas jovens vidas, que poderia ter sido evitado.


Subscrevem,
DIREÇÃO EXECUTIVA DA ORGANIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE CRUZEIROS (OVC)