ORGANIZAÇÃO
DE VÍTIMAS DE CRUZEIROS – OVC
ONDE
ESTÁ SIMONE ???
CARTA ABERTA ÀS
AUTORIDADES BRASILEIRAS E ITALIANAS, À IMPRENSA NACIONAL E INTERNACIONAL E A
TODA COMUNIDADE.
Nós, da Organização de Vitimas de Cruzeiros (OVC), associação
de familiares, gostaríamos de pedir, em caráter de extrema urgência, ajuda à
tripulante brasileira SIMONE SCHEUER
SOUSA. Desde a madrugada do dia 18 deste mês, conforme já veiculado em
diversos órgãos da imprensa nacional e internacional, SIMONE desapareceu enquanto trabalhava a bordo do navio MSC MUSICA no Mar Adriático, entre as
cidades italianas de Veneza e Brindisi.
Nesse
momento, de extremo sofrimento para familiares e amigos, conclamamos a toda a
população brasileira a exigir de nossas autoridades o seguinte:
1 – Que o governo
brasileiro providencie, com urgência, recursos garantindo a ida de familiares
de Simone à Itália, para que os mesmo possam acompanhar as buscas e que tenham
todo suporte necessário (jurídico, psicológico, etc.).
2 – Que o governo
brasileiro, juntamente com o Ministério Público e Polícia Federal, utilize os
acordos de cooperação com a Itália para exigir da armadora MSC o acesso a todas
as provas e gravações das câmeras de monitoramento e que tudo seja
disponibilizado à família da Simone.
A
família soube do desaparecimento de Simone a partir de informações dadas pelos
colegas do navio, porque a MSC, assim como as outras armadoras, têm a prática
desrespeitosa de não comunicar às famílias para casos tão graves, o que
evidencia um tratamento deplorável e de absoluto descaso para com as pessoas.
A
partir de relatos de outros tripulantes de dentro do navio, a imprensa ainda
divulgou que Simone teria tido um desentendimento com o chefe e também teria
terminado um namoro com um colega de trabalho.
Recentemente,
foi divulgado no site de notícias G1
que na última terça-feira, dia 27, o Ministério Público italiano teria aberto
um inquérito por homicídio doloso contra “pessoas não identificadas”, já que
não haveria ainda suspeitos sobre o possível crime e que os policiais italianos
teriam tido acesso às gravações das câmeras de segurança do navio.
Com
base em nossa experiência e conhecimento, por sermos familiares e
ex-tripulantes, é importante que todos os cidadãos, sobretudo a família de SIMONE, tenham conhecimento do que
passamos a relatar abaixo:
1 – Nessas gigantes e modernas
embarcações de luxo, há centenas de câmeras espalhadas por todos os cantos, com
sistemas de monitoramento 24 horas por dia. As autoridades brasileiras devem
exigir o acesso a todas as gravações realizadas pelas câmeras. Talvez seja a
única forma de saber o que aconteceu com Simone.
2 – Nos primeiros dias do
desaparecimento de SIMONE, foi
entrevistada por alguns veículos da imprensa uma empresária, Maria Clara Perrella, e a mesma se
apresentou dizendo que intermediou a contratação de Simone junto à armadora
MSC, e “que pelos registros oficiais do
navio, ela não deixou a embarcação”, etc. Na verdade esta empresária é
proprietária da agenciadora de mão
de obra VALEMAR BRASIL. Se soma a
outras agenciadoras brasileiras como a Infinity
Brazil e Rosa dos Ventos. Tais
agenciadoras fazem parte de um esquema que consideramos totalmente irregular de
contratação e terceirização de mão de obra para trabalho em navios, onde os
candidatos a tripulantes são obrigados a pagarem para essas empresas pelos
treinamentos de preparação e exames médicos para admissão nos navios. Os
tripulantes que ingressam no navio não têm carteira assinada, férias e outros
direitos trabalhistas básicos. Não é a toa que todas as agenciadoras estão
sofrendo inúmeros processos trabalhistas juntamente com as armadoras, por
flagrantes violações de direitos. Em caso de tragédias, mortes em navios e
desaparecimentos, como é o caso de Simone, as agenciadoras são as primeiras a
“tirarem o corpo fora”, dizendo que a responsabilidade é do navio ou armadora,
isso quando não dizem que a responsabilidade é do próprio tripulante.
3 – Alguns membros da tripulação
denunciaram pelas redes sociais que SIMONE
e outros tripulantes estavam sofrendo ameaças e retaliações de um chefe do
navio, que teria sido denunciado por maus tratos. Entendemos que tais fatos
devem ser imediatamente apurados pelas autoridades, pois maus tratos, assédio
moral e sexual, agressões físicas, cárcere privado e todo o tipo de tratamento
degradante é algo muito comum dentro dos navios. Em diversas audiências
públicas, com a participação das mais altas autoridades federais, denunciamos
esses fatos, o que foi plenamente comprovado posteriromente pelas próprias
autoridades em ações de fiscalização.
4 - Lamentavelmente, em casos de
passageiros e tripulantes que supostamente caem ao mar ou desaparecem, as
grandes armadoras (MSC, COSTA, NORWEGIAN, etc.) resistem a ceder às autoridades
acesso às gravações, pois não costumam agir com transparência, parecem ter algo
a esconder. Elas se protegem atrás das lacunas das leis, que não as obrigam a
ceder às gravações ou no máximo disponibilizam parcialmente e somente aquilo
que as convém. O único país com legislação específica, a Cruise Vessel Security and Safety Act, são os EUA, lei aprovada no
Congresso americano e sancionada em 2010 pelo então presidente Barack Obama.
Foi resultado de uma longa e intensa luta de familiares da Associação de
Vítimas de Cruzeiros (ICV - http://www.internationalcruisevictims.org/) daquela nação. Lá, as embarcações
são obrigadas por lei a disponibilizar o acesso total às imagens, sempre quando
solicitadas pelas autoridades, bem com é exigido o uso de dispositivos de
segurança para evitar quedas ao mar. No entanto, nem mesmo lá isso tem sido
respeitado pelas armadoras.
5 – Segundo uma das organizações mais
especializados do mundo sobre navios de cruzeiros, a norte-americano Cruise Laws News (http://www.cruiselawnews.com/2017/06/articles/disappearances-1/brazilian-crew-member-missing-from-msc-musica/) , com base nas notícias veiculadas nos jornais italianos,
pode-se deduzir que se passaram muitas horas antes do início efetivo das buscas
pela SIMONE. O mesmo site afirma que
“no início deste ano, uma pessoa caiu ao
mar do MSC Divina. Havia falhas
óbvias nos procedimentos de segurança do cruzeiro. O representante de relações
públicas da MSC fez declarações enganosas e recusou-se a declarar fatos
básicos, como quando o passageiro foi ao mar, ou quando a MSC percebeu, ou se
atrasou para notificação da Guarda Costeira... ou se realizou algum tipo de
busca. Nesse caso, uma revisão das informações do AIS (Automatic Identification System) pode revelar que o MSC Musica também não fez nenhuma
manobra para procurar o membro da equipe na água”, no caso a SIMONE. “Parece que o Musica, assim como os outros navios de cruzeiros MSC
não estão equipados com a mais recente tecnologia automática do homem ao mar
para notificar imediatamente a torre de comando quando uma pessoa cai ao mar.” Ou
seja, os navios das armadoras como a MSC, COSTA e NORWEGIAN, não estavam, e
provavelmente ainda não estão equipados, com o sistema de segurança de detecção
automática, que é ativado quando algum indivíduo ultrapassa limites da
embarcação em direção ao mar. Tais sistemas de detecção poderiam evitar a morte
de dezenas de passageiros e tripulantes que perderam suas vidas nos últimos 10
anos. As armadoras, portanto, têm negligenciado a segurança de seus passageiros
e tripulantes.
6 – Há exatos 5 anos, em junho
de 2012, a jovem tripulante de 21 anos, LAÍS
SANTIAGO, desapareceu também misteriosamente a bordo do navio COSTA MAGICA em águas italianas na
Sicília e a armadora apressadamente comunicou à imprensa que a jovem havia se
suicidado ao lançar-se ao mar. Nesse caso, inúmeras irregularidades foram
cometidas pela armadora: as provas e vestígios não foram preservados pelo
comando do navio, a única gravação de câmeras cedida à família pela armadora
italiana Costa Crociere, como prova
ou justificativa de eventual suicídio da jovem, nas imagens não foi possível
identificar se era uma pessoa ou um objeto que se lançou ou foi lançado ao mar,
de acordo com a opinião de renomados peritos brasileiros. O seu corpo até hoje
não foi encontrado. Também não descartamos que Laís esteja viva, vítima de
tráfico humano.
7 – Mais recentemente, outro
jovem brasileiro, JONAS FELLIPE DE
MIRANDA SANTIAGO, em julho de 2015 no Estado do Alasca, EUA, a bordo do
navio NORWEGIAN SUN, perdeu a sua vida. Seu corpo
foi encontrado um dia depois por pescadores. Também neste caso, o comando do
navio se apressou em dizer que Jonas havia se suicidado, mas sem apresentar
provas, apenas a perícia no corpo de Jonas que continha muitas contradições em
relação aos relatos de outros tripulantes. Até hoje as autoridades brasileiras
e tampouco a família tiveram acesso às imagens do que ocorreu, apesar das
inúmeras solicitações feitas à armadora Norwegian. Através da ajuda da OVC, a
família conseguiu marcar audiência com MPT de SP, que passou a intermediar a
negociação e acabou intimando a armadora a devolver à família, pelo menos, os
pertences de Jonas que haviam ficado no navio. Essa negociação ainda está em
curso.
8 – O Navio MSC MUSICA, onde desapareceu
SIMONE, é o mesmo que em 2010, próximo a Santos, a jovem tripulante CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA foi
brutalmente assassinada em sua cabine por outro tripulante. O assassino até
hoje não foi preso pelas autoridades e é procurado pela Interpol em todo o
mundo. Antes dessa tragédia, o comando do navio foi avisado das frequentes
agressões que Camilla sofria, mas se omitiu. Depois do assassinato, se
encarregou de divulgar na imprensa que Camila havia se suicidado, o que mais
tarde foi desmentido pelas investigações da Polícia Federal. Desde então, os
familiares lutam por justiça contra a MSC e suas agenciadoras. Foi nesta
sofrida luta, que nasceu a nossa associação, a OVC.
9 – Muitos navios
protagonizaram e ainda protagonizam crimes contra a dignidade humana com a
violação dos direitos mais básicos. Levaram à morte em 2012 a jovem FABIANA PASQUARELLI, tripulante do
navio MSC ARMONIA, devido as
condições severas e degradantes de trabalho, conforme laudos dos próprios
fiscais do Ministério do Trabalho. Também suspeitamos que a jovem THATILA SOARES, tripulante do navio COSTA FASCINOSA, morta em outubro de
2013, tenha sido vítima de condições similares, mas tudo indica que o caso
tenha sido “abafado”.
10 - Em 2014, uma força tarefa de
fiscais federais flagrou em navios de diversas armadoras, todo tipo de violação
de direitos básicos, com dezenas de autos de infração. Nesta mesma operação, o
navio MSC MAGNIFICA foi flagrado
submetendo pessoas a trabalho análogo a de escravo resultando no resgate de 11
tripulantes em condições degradantes.
Lamentavelmente, sequer o capitão do navio, Giuseppe Maresca, foi detido, apesar do flagrante do grave crime
federal. O mesmo capitão já havia sido denunciado por dezenas de tripulantes
como um verdadeiro carrasco. A MSC foi processada pelo MPT e condenada pela justiça do
trabalho da Bahia, mas recorreu. Até agora, passados mais de 3 anos, os
tripulantes resgatados não receberam um centavo de suas indenizações.
As
autoridades federais brasileiras (MPF, MTE, MJ, MPT, PF, DPU, MRE, Senado,
etc.) estão plenamente cientes da gravidade do problema, pois desde 2012
realizamos inúmeras audiências públicas, tanto no Senado Federal, como em
várias Assembleias Legislativas em todo o Brasil, onde apresentamos fartas
provas e evidências dos gravíssimos riscos de segurança e das degradantes
condições de trabalhos por que passam tripulantes brasileiros e de outros
países. As autoridades se demonstraram perplexas e indignadas com o que
havíamos apresentado e, na ocasião, prometeram tomar providências.
Em
dezembro de 2012, na primeira audiência pública sobre o tema na CDH do Senado,
apresentamos e disponibilizamos um anteprojeto detalhado para elaboração de uma
futura lei, com base na Lei norte-americana. Em outubro de 2013, logo após
Audiência Pública ocorrida na CDH do Senado sobre as irregularidades em navios
de cruzeiros, o presidente da comissão, Senador Paulo Paim, apresentou 03
Projetos de Leis (PLS 418, 419 e 420),
que abrangia desde o combate de crimes em navios até a aplicação da CLT aos
tripulantes, que ainda lhes são negados esse direito. Infelizmente, até hoje todos estes projetos,
que poderiam estar salvando vidas e dando dignidade a milhares de jovens
trabalhadores, estão esquecidos em alguma gaveta no parlamento, provavelmente
atendendo aos interesses de lobistas pagos pelas armadoras.
Para
evitar que novas tragédias ocorram, reiteramos abaixo um conjunto de medidas
necessárias para proteger tripulantes e passageiros:
1 - Aprovação de leis que regularizem
a atividade dos navios de cruzeiros, com exigências de normas e tecnologia de
segurança nas embarcações para passageiros e tripulantes, similar a lei
norte-americana Cruise Vessel Security
and Safety Act;
2 – Aprovação da PLS 419 de 2013,
que regulariza atividade do tripulante pelo regime da CLT ou alteração imediata
da Resolução Normativa de número 71 do CNIg com aplicação plena da CLT
para todos os brasileiros e extensivo a todos os contratos, independentemente
do tempo e lugar de trabalho;
3 - Ratificação imediata, por parte do governo brasileiro, da convenção
internacional da OIT MLC (Maritime Labour
Convention), 2006.
4 - Aplicação da Portaria Interministerial N. 2 de 12/05/2011, com
inclusão na lista suja da MSC Crociere (trabalho análogo a de escravo);
5 - Pela imediata responsabilização das agenciadoras e
armadoras pelas mortes de FABIANA PASQUARELLI, CAMILLA PEIXOTO
BANDEIRA, JONAS FILLIPE DE MIRANDA SANTIAGO e pelo desaparecimento de LAÍS
SANTIAGO. Também é necessária a investigação da morte da jovem THATILA
SOARES. Para casos de mortes e desaparecimento, a imediata liberação dos
seguros de vida.
6 - Intensificação da fiscalização
junto às agenciadoras e armadoras, aplicação de multas pesadas e até perda de
licença de operação em caso de infração.
7 – Ações de INVESTIGAÇÃO (PF e MPF) para apurar todas as denúncias que foram e
que estão sendo feitas (pelas vítimas e pelas próprias autoridades) em relação
aos mais variados crimes e violações de direitos ocorridos dentro dos navios e
também nas agências recrutadoras de mão-de-obra, que vêm tendo uma prática de
aliciamento e fraudes.
8 – Ações de PROTEÇÃO e DIVULGAÇÃO aos tripulantes e
passageiros: para tentar preservar a integridade das pessoas, entendemos que
deve ser criado imediatamente algo similar a um disque denúncias (fone, página
no facebook, sites, twitter, etc) nacional e internacional, para que os
tripulantes e passageiros possam denunciar, pedir ajuda imediata em caso de
risco, maus tratos, crimes. Uma cartilha dedicada aos tripulantes com
obrigatoriedade de distribuição e divulgação dentro do navio e nas agências de
recrutamento a ser também fiscalizados pelas autoridades. Da mesma forma, uma
cartilha nas agências de viagens e no próprio interior do navio para os
passageiros.
9 – A identificação e detenção de
funcionários que ocupam cargo de chefias e oficiais dos navios, majoritariamente
europeus, que estão sendo denunciados por vítimas e pelas próprias autoridades
brasileiras por maus tratos, racismo e xenofobia contra tripulantes
brasileiros. Ver relatos do próprio diagnóstico do MTE e de relatos de outras
vítimas pelas redes sociais. É o caso do capitão da MSC, o italiano Giuseppe Maresca.
Tais medidas, há anos estão propondo e debatendo com as
autoridades, que até o momento preferiram ignorar o assunto, ao omitirem. E essa
omissão também é responsável pela perda de muitas jovens vidas, que poderia ter
sido evitado.
Subscrevem,
DIREÇÃO EXECUTIVA DA ORGANIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE CRUZEIROS
(OVC)
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