quarta-feira, 28 de junho de 2017

ONDE ESTÁ SIMONE???










ORGANIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE CRUZEIROS – OVC

Brasil, 28 de junho de 2017




ONDE ESTÁ SIMONE ???

CARTA ABERTA ÀS AUTORIDADES BRASILEIRAS E ITALIANAS, À IMPRENSA NACIONAL E INTERNACIONAL E A TODA COMUNIDADE.

   Nós, da Organização de Vitimas de Cruzeiros (OVC), associação de familiares, gostaríamos de pedir, em caráter de extrema urgência, ajuda à tripulante brasileira SIMONE SCHEUER SOUSA. Desde a madrugada do dia 18 deste mês, conforme já veiculado em diversos órgãos da imprensa nacional e internacional, SIMONE desapareceu enquanto trabalhava a bordo do navio MSC MUSICA no Mar Adriático, entre as cidades italianas de Veneza e Brindisi.
   Nesse momento, de extremo sofrimento para familiares e amigos, conclamamos a toda a população brasileira a exigir de nossas autoridades o seguinte:
1 – Que o governo brasileiro providencie, com urgência, recursos garantindo a ida de familiares de Simone à Itália, para que os mesmo possam acompanhar as buscas e que tenham todo suporte necessário (jurídico, psicológico, etc.).
2 – Que o governo brasileiro, juntamente com o Ministério Público e Polícia Federal, utilize os acordos de cooperação com a Itália para exigir da armadora MSC o acesso a todas as provas e gravações das câmeras de monitoramento e que tudo seja disponibilizado à família da Simone.
   A família soube do desaparecimento de Simone a partir de informações dadas pelos colegas do navio, porque a MSC, assim como as outras armadoras, têm a prática desrespeitosa de não comunicar às famílias para casos tão graves, o que evidencia um tratamento deplorável e de absoluto descaso para com as pessoas.
   A partir de relatos de outros tripulantes de dentro do navio, a imprensa ainda divulgou que Simone teria tido um desentendimento com o chefe e também teria terminado um namoro com um colega de trabalho.
  Recentemente, foi divulgado no site de notícias G1 que na última terça-feira, dia 27, o Ministério Público italiano teria aberto um inquérito por homicídio doloso contra “pessoas não identificadas”, já que não haveria ainda suspeitos sobre o possível crime e que os policiais italianos teriam tido acesso às gravações das câmeras de segurança do navio.
  Com base em nossa experiência e conhecimento, por sermos familiares e ex-tripulantes, é importante que todos os cidadãos, sobretudo a família de SIMONE, tenham conhecimento do que passamos a relatar abaixo:
1 – Nessas gigantes e modernas embarcações de luxo, há centenas de câmeras espalhadas por todos os cantos, com sistemas de monitoramento 24 horas por dia. As autoridades brasileiras devem exigir o acesso a todas as gravações realizadas pelas câmeras. Talvez seja a única forma de saber o que aconteceu com Simone.
2 – Nos primeiros dias do desaparecimento de SIMONE, foi entrevistada por alguns veículos da imprensa uma empresária, Maria Clara Perrella, e a mesma se apresentou dizendo que intermediou a contratação de Simone junto à armadora MSC, e “que pelos registros oficiais do navio, ela não deixou a embarcação”, etc. Na verdade esta empresária é proprietária da agenciadora de mão de obra VALEMAR BRASIL. Se soma a outras agenciadoras brasileiras como a Infinity Brazil e Rosa dos Ventos. Tais agenciadoras fazem parte de um esquema que consideramos totalmente irregular de contratação e terceirização de mão de obra para trabalho em navios, onde os candidatos a tripulantes são obrigados a pagarem para essas empresas pelos treinamentos de preparação e exames médicos para admissão nos navios. Os tripulantes que ingressam no navio não têm carteira assinada, férias e outros direitos trabalhistas básicos. Não é a toa que todas as agenciadoras estão sofrendo inúmeros processos trabalhistas juntamente com as armadoras, por flagrantes violações de direitos. Em caso de tragédias, mortes em navios e desaparecimentos, como é o caso de Simone, as agenciadoras são as primeiras a “tirarem o corpo fora”, dizendo que a responsabilidade é do navio ou armadora, isso quando não dizem que a responsabilidade é do próprio tripulante.
3 – Alguns membros da tripulação denunciaram pelas redes sociais que SIMONE e outros tripulantes estavam sofrendo ameaças e retaliações de um chefe do navio, que teria sido denunciado por maus tratos. Entendemos que tais fatos devem ser imediatamente apurados pelas autoridades, pois maus tratos, assédio moral e sexual, agressões físicas, cárcere privado e todo o tipo de tratamento degradante é algo muito comum dentro dos navios. Em diversas audiências públicas, com a participação das mais altas autoridades federais, denunciamos esses fatos, o que foi plenamente comprovado posteriromente pelas próprias autoridades em ações de fiscalização.
4 - Lamentavelmente, em casos de passageiros e tripulantes que supostamente caem ao mar ou desaparecem, as grandes armadoras (MSC, COSTA, NORWEGIAN, etc.) resistem a ceder às autoridades acesso às gravações, pois não costumam agir com transparência, parecem ter algo a esconder. Elas se protegem atrás das lacunas das leis, que não as obrigam a ceder às gravações ou no máximo disponibilizam parcialmente e somente aquilo que as convém. O único país com legislação específica, a Cruise Vessel Security and Safety Act, são os EUA, lei aprovada no Congresso americano e sancionada em 2010 pelo então presidente Barack Obama. Foi resultado de uma longa e intensa luta de familiares da Associação de Vítimas de Cruzeiros (ICV - http://www.internationalcruisevictims.org/) daquela nação. Lá, as embarcações são obrigadas por lei a disponibilizar o acesso total às imagens, sempre quando solicitadas pelas autoridades, bem com é exigido o uso de dispositivos de segurança para evitar quedas ao mar. No entanto, nem mesmo lá isso tem sido respeitado pelas armadoras.
5 – Segundo uma das organizações mais especializados do mundo sobre navios de cruzeiros, a norte-americano Cruise Laws News (http://www.cruiselawnews.com/2017/06/articles/disappearances-1/brazilian-crew-member-missing-from-msc-musica/) , com base nas notícias veiculadas nos jornais italianos, pode-se deduzir que se passaram muitas horas antes do início efetivo das buscas pela SIMONE. O mesmo site afirma que “no início deste ano, uma pessoa caiu ao mar do MSC Divina. Havia falhas óbvias nos procedimentos de segurança do cruzeiro. O representante de relações públicas da MSC fez declarações enganosas e recusou-se a declarar fatos básicos, como quando o passageiro foi ao mar, ou quando a MSC percebeu, ou se atrasou para notificação da Guarda Costeira... ou se realizou algum tipo de busca. Nesse caso, uma revisão das informações do AIS (Automatic Identification System) pode revelar que o MSC Musica também não fez nenhuma manobra para procurar o membro da equipe na água”, no caso a SIMONE. “Parece que o Musica, assim como os outros navios de cruzeiros MSC não estão equipados com a mais recente tecnologia automática do homem ao mar para notificar imediatamente a torre de comando quando uma pessoa cai ao mar.” Ou seja, os navios das armadoras como a MSC, COSTA e NORWEGIAN, não estavam, e provavelmente ainda não estão equipados, com o sistema de segurança de detecção automática, que é ativado quando algum indivíduo ultrapassa limites da embarcação em direção ao mar. Tais sistemas de detecção poderiam evitar a morte de dezenas de passageiros e tripulantes que perderam suas vidas nos últimos 10 anos. As armadoras, portanto, têm negligenciado a segurança de seus passageiros e tripulantes.
6 – Há exatos 5 anos, em junho de 2012, a jovem tripulante de 21 anos, LAÍS SANTIAGO, desapareceu também misteriosamente a bordo do navio COSTA MAGICA em águas italianas na Sicília e a armadora apressadamente comunicou à imprensa que a jovem havia se suicidado ao lançar-se ao mar. Nesse caso, inúmeras irregularidades foram cometidas pela armadora: as provas e vestígios não foram preservados pelo comando do navio, a única gravação de câmeras cedida à família pela armadora italiana Costa Crociere, como prova ou justificativa de eventual suicídio da jovem, nas imagens não foi possível identificar se era uma pessoa ou um objeto que se lançou ou foi lançado ao mar, de acordo com a opinião de renomados peritos brasileiros. O seu corpo até hoje não foi encontrado. Também não descartamos que Laís esteja viva, vítima de tráfico humano.
7 – Mais recentemente, outro jovem brasileiro, JONAS FELLIPE DE MIRANDA SANTIAGO, em julho de 2015 no Estado do Alasca, EUA, a bordo do navio NORWEGIAN SUN, perdeu a sua vida. Seu corpo foi encontrado um dia depois por pescadores. Também neste caso, o comando do navio se apressou em dizer que Jonas havia se suicidado, mas sem apresentar provas, apenas a perícia no corpo de Jonas que continha muitas contradições em relação aos relatos de outros tripulantes. Até hoje as autoridades brasileiras e tampouco a família tiveram acesso às imagens do que ocorreu, apesar das inúmeras solicitações feitas à armadora Norwegian. Através da ajuda da OVC, a família conseguiu marcar audiência com MPT de SP, que passou a intermediar a negociação e acabou intimando a armadora a devolver à família, pelo menos, os pertences de Jonas que haviam ficado no navio. Essa negociação ainda está em curso.
8 – O Navio MSC MUSICA, onde desapareceu SIMONE, é o mesmo que em 2010, próximo a Santos, a jovem tripulante CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA foi brutalmente assassinada em sua cabine por outro tripulante. O assassino até hoje não foi preso pelas autoridades e é procurado pela Interpol em todo o mundo. Antes dessa tragédia, o comando do navio foi avisado das frequentes agressões que Camilla sofria, mas se omitiu. Depois do assassinato, se encarregou de divulgar na imprensa que Camila havia se suicidado, o que mais tarde foi desmentido pelas investigações da Polícia Federal. Desde então, os familiares lutam por justiça contra a MSC e suas agenciadoras. Foi nesta sofrida luta, que nasceu a nossa associação, a OVC.
9 – Muitos navios protagonizaram e ainda protagonizam crimes contra a dignidade humana com a violação dos direitos mais básicos. Levaram à morte em 2012 a jovem FABIANA PASQUARELLI, tripulante do navio MSC ARMONIA, devido as condições severas e degradantes de trabalho, conforme laudos dos próprios fiscais do Ministério do Trabalho. Também suspeitamos que a jovem THATILA SOARES, tripulante do navio COSTA FASCINOSA, morta em outubro de 2013, tenha sido vítima de condições similares, mas tudo indica que o caso tenha sido “abafado”.
10 - Em 2014, uma força tarefa de fiscais federais flagrou em navios de diversas armadoras, todo tipo de violação de direitos básicos, com dezenas de autos de infração. Nesta mesma operação, o navio MSC MAGNIFICA foi flagrado submetendo pessoas a trabalho análogo a de escravo resultando no resgate de 11 tripulantes em condições degradantes.  Lamentavelmente, sequer o capitão do navio, Giuseppe Maresca, foi detido, apesar do flagrante do grave crime federal. O mesmo capitão já havia sido denunciado por dezenas de tripulantes como um verdadeiro carrasco.  A MSC foi processada pelo MPT e condenada pela justiça do trabalho da Bahia, mas recorreu. Até agora, passados mais de 3 anos, os tripulantes resgatados não receberam um centavo de suas indenizações. 
            As autoridades federais brasileiras (MPF, MTE, MJ, MPT, PF, DPU, MRE, Senado, etc.) estão plenamente cientes da gravidade do problema, pois desde 2012 realizamos inúmeras audiências públicas, tanto no Senado Federal, como em várias Assembleias Legislativas em todo o Brasil, onde apresentamos fartas provas e evidências dos gravíssimos riscos de segurança e das degradantes condições de trabalhos por que passam tripulantes brasileiros e de outros países. As autoridades se demonstraram perplexas e indignadas com o que havíamos apresentado e, na ocasião, prometeram tomar providências.
            Em dezembro de 2012, na primeira audiência pública sobre o tema na CDH do Senado, apresentamos e disponibilizamos um anteprojeto detalhado para elaboração de uma futura lei, com base na Lei norte-americana. Em outubro de 2013, logo após Audiência Pública ocorrida na CDH do Senado sobre as irregularidades em navios de cruzeiros, o presidente da comissão, Senador Paulo Paim, apresentou 03 Projetos de Leis (PLS 418, 419 e 420), que abrangia desde o combate de crimes em navios até a aplicação da CLT aos tripulantes, que ainda lhes são negados esse direito.  Infelizmente, até hoje todos estes projetos, que poderiam estar salvando vidas e dando dignidade a milhares de jovens trabalhadores, estão esquecidos em alguma gaveta no parlamento, provavelmente atendendo aos interesses de lobistas pagos pelas armadoras.
            Para evitar que novas tragédias ocorram, reiteramos abaixo um conjunto de medidas necessárias para proteger tripulantes e passageiros:
1 - Aprovação de leis que regularizem a atividade dos navios de cruzeiros, com exigências de normas e tecnologia de segurança nas embarcações para passageiros e tripulantes, similar a lei norte-americana Cruise Vessel Security and Safety Act;
2 – Aprovação da PLS 419 de 2013, que regulariza atividade do tripulante pelo regime da CLT ou alteração imediata da Resolução Normativa de número 71 do CNIg com aplicação plena da CLT para todos os brasileiros e extensivo a todos os contratos, independentemente do tempo e lugar de trabalho;
3 - Ratificação imediata, por parte do governo brasileiro, da convenção internacional da OIT MLC (Maritime Labour Convention),  2006.
4 - Aplicação da Portaria Interministerial N. 2 de 12/05/2011, com inclusão na lista suja da MSC Crociere (trabalho análogo a de escravo);
5 - Pela imediata responsabilização das agenciadoras e armadoras pelas mortes de FABIANA PASQUARELLI, CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA, JONAS FILLIPE DE MIRANDA SANTIAGO e pelo desaparecimento de LAÍS SANTIAGO. Também é necessária a investigação da morte da jovem THATILA SOARES. Para casos de mortes e desaparecimento, a imediata liberação dos seguros de vida.
6 - Intensificação da fiscalização junto às agenciadoras e armadoras, aplicação de multas pesadas e até perda de licença de operação em caso de infração.
7 – Ações de INVESTIGAÇÃO (PF e MPF) para apurar todas as denúncias que foram e que estão sendo feitas (pelas vítimas e pelas próprias autoridades) em relação aos mais variados crimes e violações de direitos ocorridos dentro dos navios e também nas agências recrutadoras de mão-de-obra, que vêm tendo uma prática de aliciamento e fraudes.
8 – Ações de PROTEÇÃO e DIVULGAÇÃO aos tripulantes e passageiros: para tentar preservar a integridade das pessoas, entendemos que deve ser criado imediatamente algo similar a um disque denúncias (fone, página no facebook, sites, twitter, etc) nacional e internacional, para que os tripulantes e passageiros possam denunciar, pedir ajuda imediata em caso de risco, maus tratos, crimes. Uma cartilha dedicada aos tripulantes com obrigatoriedade de distribuição e divulgação dentro do navio e nas agências de recrutamento a ser também fiscalizados pelas autoridades. Da mesma forma, uma cartilha nas agências de viagens e no próprio interior do navio para os passageiros.
9 – A identificação e detenção de funcionários que ocupam cargo de chefias e oficiais dos navios, majoritariamente europeus, que estão sendo denunciados por vítimas e pelas próprias autoridades brasileiras por maus tratos, racismo e xenofobia contra tripulantes brasileiros. Ver relatos do próprio diagnóstico do MTE e de relatos de outras vítimas pelas redes sociais. É o caso do capitão da MSC, o italiano Giuseppe Maresca.

            Tais medidas, há anos estão propondo e debatendo com as autoridades, que até o momento preferiram ignorar o assunto, ao omitirem. E essa omissão também é responsável pela perda de muitas jovens vidas, que poderia ter sido evitado.


Subscrevem,
DIREÇÃO EXECUTIVA DA ORGANIZAÇÃO DE VÍTIMAS DE CRUZEIROS (OVC)







terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CARTA ABERTA AO GRANDE ARTISTA ROBERTO CARLOS





CARTA ABERTA AO GRANDE ARTISTA ROBERTO CARLOS

Somos uma associação de famílias e assim como milhões de pessoas no Brasil e no mundo, somos seus fãs e temos muita admiração por seu talento e trabalho e profundo respeito pelo que representa a sua generosa pessoa, motivo de muito orgulho para todos nós brasileiros.
Permita-nos agora lhe prestar algumas informações, que certamente irão lhe chocar e, no final, gostaríamos de lhe fazer um pedido. Acompanhando sua programação em seu site oficial nos deparamos com o seguinte anúncio: “PROJETO EMOÇÕES EM ALTO MAR - UM MUNDO DE EMOÇÕES A BORDO DO MSC PREZIOSA”.  Trata-se de 5 shows que você fará a bordo deste navio na próxima semana entre os dias 4 e 8 de fevereiro (2015).
Gostaríamos que você soubesse que muitas jovens vidas se perderam a bordo de navios de cruzeiros e muitas outras estão marcadas para o resto de suas vidas. Há alguns anos estamos denunciando os gravíssimos crimes e violação de direitos humanos que ocorrem dentro dos navios de cruzeiros internacionais que operam no Brasil. As principais vítimas são jovens tripulantes de países asiáticos e latino-americanos, dentre estes, muitos jovens brasileiros.
Maus tratos e trabalhos análogos à escravidão, com jornada de trabalho exaustiva, assédio moral e sexual, discriminação racial e xenofobia, precárias condições de alojamento, alimentação e assistência médica, o que ocasiona enormes prejuízos à saúde física e mental, agredindo a dignidade e, em alguns casos, levando à morte. É o caso da jovem FABIANA PASQUARELLI, que morreu vítima de condições precárias de trabalho e assistência médica e de jornadas extremas no navio MSC Armonia em fevereiro de 2012, conforme laudo dos fiscais do Ministério do Trabalho. Até hoje a família espera por justiça e a MSC continua impune e submetendo milhares de jovens a situações degradantes de trabalho.
 Os jovens trabalhadores também estão sujeitos a diversos crimes que ocorrem com frequência dentro dos navios como a violência de gênero com casos de homicídio, a intensa atividade do narcotráfico e o grande consumo de entorpecentes e álcool por parte da tripulação e passageiros, desaparecimento de tripulante, entre outros, com o agravante de que as cenas dos crimes não têm sido preservadas pelos comandos dos navios e, dessa forma, dificultando e comprometendo as investigações por parte das autoridades.
Foi o caso da jovem CAMILLA PEIXOTO BANDEIRA em janeiro de 2010 no interior do navio MSC Musica, onde foi brutalmente assassinada por outro tripulante. Ela tinha 28 anos e vinha sendo agredida, pediu várias vezes ajuda ao comando do navio, mas não foi atendida por absoluta negligência de quem deveria zelar pela proteção de seus funcionários. Com este mesmo descaso a MSC tratou e vem tratando a família. O assassino nunca foi preso e agora está foragido. Lamentavelmente, passados 5 anos, a justiça está longe de ser feita.
De desaparecimento, o caso mais emblemático é da jovem de 21 anos, LAÍS SANTIAGO, que desapareceu em águas italianas enquanto trabalhava no navio Costa Magica em junho de 2012. Todo o processo de investigação revela inúmeras irregularidades: as provas e vestígios não foram preservados pelo comando do navio, as gravações feitas pelas dezenas de câmeras não foram cedidas às autoridades e até hoje a família está sem qualquer resposta.
Nesses anos de muita dor, vítimas e familiares de situações traumáticas e trágicas ocorridas em navios de cruzeiros da MSC, Costa Crociere e outras armadoras que operam no Brasil foram se encontrando no longo percurso em busca por justiça. Juntos, fomos descobrindo que dentro destes navios existe um submundo que submete milhares de jovens trabalhadores, brasileiros e estrangeiros, às condições mais humilhantes e degradantes e em situação de extrema vulnerabilidade diante de vários crimes que lá ocorrem.  As companhias de cruzeiros certamente apresentam a você e a seus clientes “um mundo de emoções” e cheio de glamour. Mal sabe você e os futuros passageiros que esse submundo também os ameaçam.
Recentemente, formamos uma associação chamada Organização de Vítimas de Cruzeiros (OVC), promovemos e participamos de várias Audiências Públicas em diversos lugares do Brasil. Apresentamos às autoridades um farto material com provas, depoimentos, vídeos e inúmeras outras evidências comprovando as nossas denúncias de maus tratos e de diversos crimes que atentam contra a dignidade humana praticados pelo comando, oficiais e chefes de vários navios de cruzeiros.
Nossa associação é uma entidade civil sem fins lucrativos e que, conforme consta em nosso Estatuto Social, “tem por finalidade congregar pessoas, físicas e jurídicas, com o propósito de atuar de forma concreta e efetiva, independentemente, ou em colaboração com os órgãos públicos competentes, para a erradicação do trabalho aviltante à dignidade da pessoa humana e/ou análogo à condição de escravo, bem como do tráfico de pessoas que tenham por objetivo arregimentar trabalhadores para serviços sob tais condições em navios de cruzeiros, nacionais e/ou internacionais, bem como de defender os direitos humanos de seus associados vitimados por essa espécie de práticas em território nacional e estrangeiros.”
A partir de nossas denúncias, isso tudo acabou sendo comprovado pelas próprias autoridades federais durante ações de fiscalização ocorrida em diversas embarcações entre março e abril do ano passado, culminando no resgate de 11 tripulantes do navio MSC Magnifica no porto de Salvador, que estavam em condições de trabalho degradante análogo a de escravo e que foi notícia no Brasil e no mundo. Abaixo, com mais detalhes, reproduzimos parte de uma mensagem que enviamos às autoridades federais e sociedade civil após termos lido os relatórios da fiscalização, que nos deixaram estarrecidos.
Diante de tantas evidências apresentadas em mais de mil páginas dos fiscais federais, passamos a afirmar às próprias autoridades de que “já não tínhamos mais dúvidas de que estávamos diante uma atividade corporativa internacional, de alta lucratividade, às custas de Tráfico de Pessoas para fins de exploração laboral”.
Com todo respeito, gostaríamos de finalizar esta carta com um pedido. Seu site oficial anuncia que seus shows na próxima semana no navio já estão com os ingressos esgotados, mesmo assim lhe pedimos, por favor, que os cancele em respeito às vidas que se perderam e ao sofrimento de muitos jovens e seus familiares, porque sua arte não combina com maus tratos, trabalho escravo, assédio moral e sexual, racismo, etc. que ocorrem no submundo desses navios.
Muito obrigado por sua atenção.
Organização de Vítimas de Cruzeiros - OVC






TRECHOS DA CARTA ABERTA ENVIADA ÁS AUTORIDADES FEDERAIS E SOCIEDADE CIVIL EM OUTUBRO DE 2014

- “ trabalhadoras brasileiras no navio só servem pra sexo, são putas, e os trabalhadores homens não servem para trabalhar... são vagabundos...brasileiro reclama demais...”
- “ brasileira gosta de vida boa e se quiserem podem ter vida boa se ficarem com eles (os chefes)...”

Prezadas autoridades, imprensa, Igreja, sociedade civil, tripulantes e familiares,

Desculpem-nos pela chocante ofensividade das frases acima. Elas foram extraídas dos termos de declaração de tripulantes do navio de cruzeiros MSC Magnífica, resgatados pelas autoridades brasileiras em primeiro de abril deste ano no porto de Salvador, por estarem trabalhando em condições degradantes e análogas a de escravo. Tais frases foram atribuídas aos chefes desses trabalhadores. Trata-se de uma pequena amostra que revela a duríssima realidade do submundo dos navios que estamos denunciando há anos. Tal realidade não se limita à  MSC, pois ela pode ser encontrada facilmente também nas outras armadoras que operam no Brasil (Costa Crociere, Pullmantur, etc).
Assédio moral e sexual, racismo, homofobia, xenofobia, péssimas condições de alojamento e assistência médica, fraudes trabalhistas, trabalho até a exaustão e outros crimes repugnantes revelam condições severas, aviltantes e humilhantes à dignidade humana de milhares de jovens brasileiros e não brasileiros, principalmente asiáticos, que são o grande contingente de trabalhadores dentro do navio. O grande agravante é que os monstruosos tratamentos das chefias do navio são realizados em regime de confinamento, ou seja, esses jovens, entre um porto e outro, não tem para onde correr e nem quem recorrer, ficando portanto, numa condição de total vulnerabilidade.
Desaparecimentos “inexplicáveis”, como o caso de Laís Santiago do navio Costa Magica, agressões físicas por parte da segurança do navio contra tripulantes brasileiros, cárcere privado como ocorreu em navio da Pullmantur, intenso consumo de álcool e tráfico e droga, que é generalizado, são outros ingredientes do submundo ao qual estamos denunciando. Condições degradantes que, inexoravelmente, acabam afetando também os passageiros.
No próximo dia 23 deste mês de outubro, a partir das 9:00h,  ocorrerá na 37° Vara do Trabalho de Salvador (vejam despacho anexo da magistrada Priscila Cunha Lima de Menezes), audiência da Ação Civil Coletiva, cujo autor é o MPT em função da recusa da MSC (Ré) em pagar as verbas rescisórias e outras exigências trabalhistas básicas para os 11 tripulantes resgatados. Esperamos que a MSC Crociere seja punida exemplarmente e que os trabalhadores resgatados sejam devidamente indenizados por tudo aquilo que os submeteram a tanta exploração, humilhação e sofrimento.
Conforme os documentos “Relatório de Ação Fiscal – Embarcações Estrangeiras de Turismo”  e  “Relatório de Ação Fiscal MSC Crociere S.A” elaborados por diversos departamento de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), depois de exaustivas denúncias dos trabalhadores e da nossa associação de vítimas (OVC –Organização de Vítimas de Cruzeiros), houve operações de fiscalização entre março e abril deste ano (2014) em navios das armadoras que operam no Brasil: MSC, Costa, Pullmantur, Ibero e Royal. Além dos auditores-fiscais do MTE, participaram das operações procuradores do MPT, Anvisa, Marinha, MPF, Advocacia-Geral da União, Defensoria Pública da União, Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência e a Polícia Federal.
Os relatórios dessas operações (incluindo a ação de resgate no MSC Magnífica) somam quase 1.500 páginas com relatos detalhados dos grandes absurdos do submundo existente dentro desses navios. Tivemos acesso ao material somente no final de setembro quando estivemos em Brasília reunidos com autoridades e revelam todo o tipo de irregularidades trabalhistas, fraude contratual, descumprimento das convenções internacionais marítimas e tratamentos que violam os direitos humanos mais básicos, colocando em grande risco a saúde física e mental dos tripulantes, podendo levar até a morte destes, como foi o caso da tripulante Fabiana Pasquarelli em 2012 no MSC Armonia. Não é à toa que todos os navios fiscalizados receberam dezenas de autos de infração por diversas irregularidades trabalhistas. Ao todo, foram mais de 40 autos lavrados.
As ações das autoridades só vêm a confirmar as diversas denúncias que estamos fazendo há mais de 4 anos, desde que a jovem tripulante Camilla Peixoto Bandeira foi assassinada em 2010 no navio MSC Musica, onde iniciamos a construção de nossa associação (OVC), conjuntamente com outros familiares de vítimas, e finalmente registrada neste ano de 2014.
Já não temos dúvidas de que estamos diante uma atividade corporativa internacional, de alta lucratividade, às custas de Tráfico de Pessoas para fins de exploração laboral. Além das evidências irrefutáveis de trabalho análogo a de escravo, as condições degradantes de trabalho e a forma enganosa e fraudulenta como milhares de jovens brasileiros e de outras nações pobres são atraídos e recrutados para uma atividade de extrema exploração, conforme o Protocolo de Palermo (2000), tudo isso caracteriza tráfico humano para fins de exploração de trabalho.
Como se inicia a temporada de cruzeiros 2014/2015, entendemos que faz-se necessário, com total urgência, ações enérgicas e preventivas de fiscalização junto às agenciadoras e armadoras, bem como medidas de proteção aos jovens tripulantes. Junto com isso, não menos importante, há as questões de legislação como, por exemplo, a imediata alteração da Resolução Normativa 71 CNIg, obrigando a contração pela CLT de todos os tripulantes brasileiros, bem como a ratificação imediata, por parte do governo brasileiro, da convenção internacional da OIT MLC 2006 (Maritime Labour Convention).
Ficamos a disposição para quaisquer esclarecimentos e, desde já, agradecemos


Organização de Vítimas de Cruzeiros